sábado, 13 de fevereiro de 2010

Homilia – Liturgia da Palavra, Lc 6,17.20-26: Nas bem-aventuranças, felizes, ditosos os pobres!



Ano C
VI Domingo Comum
Jr 17,5-8
Sl 1
1Cor 15,12.16-20
Lc 6,17.20-26

Nas bem-aventuranças, felizes, ditosos os pobres! Lc 6, 17.20-26

Ao sermão das bem-aventuranças se denomina ordinariamente "sermão da montanha" (Mt 5-7; 4º domingo, Ciclo A). Aqui, São Lucas situa o sermão em um plano no qual se reuniram numerosos ouvintes. Reparemos no estilo de Lucas: enuncia as quatro bem-aventuranças com um estilo rítmico e a elas se correspondem quatro maldições.

Impressiona, na celebração de hoje, ouvir o próprio Cristo dirigir-se à assembléia e a cada um de nós para dizer-nos: "Felizes, vós". Posto que procuramos servi-Lo apesar de nossas fraquezas, não parece que as maldições que se seguem vão dirigidas a nós, aos que não Lhe buscam? "Felizes e ditosos, vós, os pobres". Aqueles de nós que se preocupam pelos problemas sociais, quando ouvem o Senhor honrar assim aos deserdados sentem vibrar dentro de si uma paixão pelo bem. Não se equivocam. Temos espiritualizado talvez demasiado apressadamente esta pobreza. Recentes estudos tem demonstrado que se trata, com toda certeza, da pobreza material, da mesma forma que nas maldições se trata de verdadeiras riquezas. Aos pobres se lhes promete a felicidade no Reino futuro. Para Lucas, a pobreza material assegura uma incondicionalidade mais verdadeira. Não tem outra origem a busca da pobreza praticada pelos Padres do deserto e pelas Ordens religiosas: nem a ascese nem a pobreza em si mesmas, mas a incondicionalidade material que desliga e permite aceder mais facilmente aos verdadeiros valores.

Contudo, é útil ver o que São Lucas pensa da pobreza em outros lugares de seu Evangelho. Em São Lucas, se trata de uma liberação que permite seguir a Cristo, livres de outros compromissos. No mesmo capítulo 6 lemos: "A quem te pede, dá; a quem te tirar o que é teu, não o reclames" (v. 3O); e também: "Empresta sem esperar nada em troca" (v. 35). Mais adiante, no capítulo 11, se apresenta este desprendimento como um meio de adquirir uma visão pura de todas as coisas. Ao rico, Cristo lhe expressa categoricamente seu pensamento: "Uma coisa te falta: Vende quanto tens, reparte entre os pobres e terás um tesouro nos céus; logo, vem e segue-me" (18, 22).

As parábolas que Lucas põe na boca de Cristo se referem à pobreza material. Não basta, entretanto, a pobreza material, é preciso ter um coração de pobre, como escreve São Mateus (5, 3). Quando Jesus fala de humildade no serviço, nos sugere esta atitude: "Somos uns pobres servos" (17, l0). A pobreza não é um bem em si mesma. Tampouco é buscada por si mesma, mas é utilizada como um meio para eliminar condicionamentos para seguir a Cristo. São Lucas tem verdadeiro medo da riqueza; a chama riqueza "injusta" (16, 9). Aos fariseus amigos do dinheiro lhes diz o Senhor: "O que é estimável aos homens, é abominável a Deus" (16, 15). No cap 6, São Lucas diz: "Ai de vós, os ricos, porque já tendes vosso consolo!" (v. 24). E também: "Onde está vosso tesouro, ali está vosso coração" (12, 34).

Cristo dá, além disso, uma série de conselhos que São Lucas transmite com visível interesse: "Não leveis nada para o caminho" (9, 13); "não leveis bolsa, nem sandálias" (10, 4); "vendei vossos bens e dai esmola" (12, 33-34). Os discípulos dizem a Jesus: "Nós deixamos nossas coisas para seguir-te" (18, 28, 29). Ao descrever, São Lucas, nos Atos, a vida da primeira comunidade, em duas ocasiões insiste sobre seu modo de viver: " tinham tudo em comum" (At 2, 44; 4, 32).

Esta pobreza deve chegar até a indiferença no que é relativo à estima dos homens. Não deverá querer os postos de honra nas assembléias (Lc 11, 45); há que se colocar no último lugar (14, 10); seremos felizes quando nos desprezarem por causa do Filho do Homem.

A pobreza é ascese para a vida do Reino.

A verdadeira riqueza e a verdadeira segurança (Jo 17, 5-8).

A primeira leitura nos situa frente a uma antítese muito simples mas decisiva. Ao invés do procedimento literário de Lucas, a contraposição começa aqui pelos que são infelizes por confiarem na debilidade dos homens, enquanto que são felizes os que confiam no Senhor. Sejamos advertidos nesta passagem pela serenidade na incondicionalidade, predita já pelo profeta: o que confia em Deus, nada tem que temer.

Muitos salmos cantam esta confiança no Senhor, necessária para poder encontrar a alegria e a paz. O que se escolheu como responsório à leitura, o expressa poeticamente:

Ditoso o homem
que não segue o conselho dos ímpios...
mas que seu gozo é a lei do Senhor...
Será como um árvore plantada na borda da vala:
dá fruto em seu coração,
e não murcham suas folhas (Sal 1).


Adrien Nocent
El Año Liturgico: celebrar a JC 5
Tiempo ordinário:Domingos 22-34
Sal Terrae Santander 1982, PP.140-143

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