sábado, 13 de março de 2010

Reflexão da Liturgia de Domingo, Lc 15,1-3.11-32: Frei Raniero Cantalamessa - Sanar a relação pais-filhos, desafio da nova evangelização



IV Domingo da Quaresma
Ano C
Js 5,9a.10-12
Sl 33
2Cor 5,17-21
Lc 15,1-3.11-32


Sanar a relação pais-filhos, desafio da nova evangelização

«Quando ainda estava longe, seu pai o avistou e foi tomado de compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o e o cobriu de beijos. O filho, então, disse-lhe: “Pai, pequei contra Deus e contra ti. Já não mereço ser chamado teu filho”. Mas o pai disse aos empregados: “Trazei depressa a melhor túnica para vestir meu filho. Colocai-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei um novilho gordo e matai-o, para comermos e festejarmos. Pois este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado”. E começaram a festa».

Na liturgia do dia se lê o capítulo 15 do Evangelho de Lucas, que contém as três parábolas chamadas «da misericórdia»: a ovelha perdida, a moeda perdida e o filho pródigo. «Um homem tinha dois filhos...»: basta ouvir estas poucas palavras para que quem tenha um mínimo de familiaridade com o Evangelho exclame imediatamente. A parábola do filho pródigo! Em outras ocasiões destaquei o significado espiritual da parábola; desta vez queria sublinhar nela um aspecto pouco desenvolvido, mas atual. No fundo, a parábola não é senão a história de uma reconciliação entre pai e filho, e todos sabemos quão vital é uma reconciliação tal para a felicidade de pais e filhos.

Quem sabe por que a literatura, a arte, o espetáculo, a publicidade se aproveitam só de uma relação humana: a de fundo erótico entre o homem e a mulher, entre esposo e esposa. Parece como se não existisse outra na vida. Publicidade e espetáculo não fazem mais que cozinhar em mil temperos este prato. Deixam ao contrário inexplorada outra relação humana igualmente universal e vital, outra das grandes fontes de gozo da vida: a relação pai-filho, a alegria da paternidade. Em literatura a única obra que trata verdadeiramente deste tema é a «Carta ao pai» de F. Kafka (o romance «Pais e filhos» de Turgenev mais que de pais e filhos fala de gerações diversas).

Mas se se aprofunda com seriedade e objetividade no coração do homem se descobre que, na maioria dos casos, uma relação intensa e serena com os filhos é, para um homem adulto e maduro, não menos interessante e santificante que a relação com a mulher. Sabemos quão importante é tal relação também para o filho ou a filha e o vazio tremendo que deixa a carência ou sua ruptura.

Como o câncer ataca habitualmente os órgãos mais delicados no homem e na mulher, assim o poder destruidor do pecado e do mal ataca os gânglios mais vitais da existência humana. Não há nada que seja submetido ao abuso, à exploração e à violência como a relação homem-mulher, e não há nada que esteja tão exposto à deformação como a relação pai-filho: autoritarismo, paternalismo, rebelião, rejeição, falta de comunicação.

Não há que generalizar. Existem casos de relações belíssimas entre pai e filho. Sabemos, contudo, que há também, e mais numerosos, casos negativos. No profeta Isaías se lê esta exclamação de Deus: «Filhos criei e tirei adiante, e eles se rebelaram contra mim» (1,2). Creio que muitos pais hoje em dia sabem, por experiência, o que querem dizer estas palavras.

O sofrimento é recíproco; não é como na parábola, onde a culpa é toda e só do filho... há pais cujo sofrimento mais profundo na vida é ser rejeitados ou diretamente desprezados pelos filhos. E há filhos cujo mais profundo e não confessado sofrimento é sentir-se incompreendidos, não estimados ou francamente rejeitados pelo pai.

Insisti na implicação humana e existencial da parábola de hoje. Mas não se trata só de melhorar a qualidade da vida neste mundo. A iniciativa de uma grande reconciliação entre pais e filhos e a necessidade de uma cura profunda de sua relação entra de novo no esforço de uma nova evangelização. Sabe-se quanto pode influir, positiva ou negativamente, a relação com o pai terreno na relação com o Pai dos céus e, portanto, na vida cristã mesma. Quando nasceu o precursor, João Batista, o anjo disse que uma de suas tarefas era «fazer voltar os corações dos pais aos filhos e os corações dos filhos aos pais». Uma tarefa hoje mais atual que nunca.


Frei Raniero Cantalamessa
Pregador da Casa Pontifícia
Cantalamessa.org

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