segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Papa Bento XVI explica por que um Ano Sacerdotal





Bento XVI: por que um Ano Sacerdotal?


Intervenção hoje durante a Audiência Geral



CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 24 de junho de 2009 (ZENIT.org) - Oferecemos a seguir o discurso pronunciado hoje por Bento XVI diante dos peregrinos congregados na Praça de São Pedro para a audiência geral de quarta-feira.

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Queridos irmãos e irmãs,

Na sexta-feira passada, 19 de junho, Solenidade do Sagrado Coração de Jesus e dia tradicionalmente dedicado à oração pela santificação dos sacerdotes, tive a alegria de inaugurar o Ano Sacerdotal, proclamado com ocasião do 150º aniversário do “nascimento ao Céu” do cura d’Ars, São João Maria Batista Vianney. E entrando na Basílica vaticana para a celebração das Vésperas, quase como um primeiro gesto simbólico, detive-me na Capela do Coro para venerar a relíquia deste santo pastor de almas: seu coração.

Por que um Ano Sacerdotal? Por que precisamente na recordação do santo cura d’Ars, que aparentemente não fez nada de extraordinário? A Providência divina fez que sua figura se aproximasse da de São Paulo. Enquanto de fato se está concluindo o Ano Paulino, dedicado ao apóstolo das gentes, modelo extraordinário de evangelizador que realizou diversas viagens missionárias para difundir o Evangelho, este novo ano jubilar nos convida a olhar um pobre agricultor convertido em humilde pároco, que realizou seu serviço pastoral em um pequeno povoado. Se os dois santos se diferenciam muito pelos trajetos de vida que os caracterizaram –um viajou de região em região para anunciar o Evangelho, o outro acolheu milhares e milhares de fiéis permanecendo sempre em sua pequena paróquia–, há no entanto algo fundamental que os une: sua total identificação com seu próprio ministério, sua comunhão com Cristo que fazia Paulo dizer: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim” (Gálatas 2, 20). Já São João Maria Vianney gostava de repetir: “Se tivéssemos fé, veríamos Deus escondido no sacerdote como uma luz atrás do cristal, como o vinho mesclado com a água”.

O objetivo deste Ano Sacerdotal, como escrevi na carta enviada aos sacerdotes para esta ocasião, consiste em favorecer o fortalecimento de cada presbítero “até a perfeição espiritual da qual depende sobretudo a eficácia de seu ministério”, ajudar os sacerdotes e, com eles, todo o Povo de Deus, a redescobrir e revigorar a consciência do extraordinário e indispensável dom da Graça que o ministério ordinário representa para quem o recebeu, para toda Igreja e para o mundo, que sem a presença real de Cristo, estaria perdido.

Indubitavelmente, mudaram as condições históricas e sociais nas quais se encontrou o cura d’Ars e é justo se perguntar como os sacerdotes podem imitá-lo em sua identificação com seu próprio ministério nas atuais sociedades globalizadas. Num mundo em que a visão comum da vida compreende cada vez menos o sagrado, em cujo lugar o “funcional” converte-se na única categoria decisiva, a concepção católica do sacerdócio poderia correr o risco de perder sua consideração natural, inclusive dentro da consciência eclesial. Não é casual que tanto nos ambientes teológicos como também na prática pastoral concreta e de formação do clero, contrastam-se, e inclusive se opõem, duas concepções diferentes do sacerdócio. Sublinhei a propósito disso há alguns anos que existe “por um lado uma concepção social-funcional que define a essência do sacerdócio com o conceito do ‘serviço’: o serviço à comunidade, na realização de um função... Por outro lado, está a concepção sacramental-ontológica, que naturalmente não nega o caráter de serviço do sacerdócio, mas que o vê ligado ao ser do ministro e considera que este ser está determinado por um dom concedido pelo Senhor através da mediação da Igreja, cujo nome é sacramento” (J. Ratzinger, Ministério e vida do sacerdote, em Elementi di Teologia fondamentale. Saggio su fede e ministero, Brescia 2005, p.165). Também a mutação terminológica da palavra “sacerdócio” para o sentido de “serviço, ministério, encargo” é sinal desta concepção diferente. A concepção ontológica-sacramental está ligada ao primado da Eucaristia, no binômio “sacerdócio-sacrifício”, enquanto que a outra corresponderia ao primado da palavra e do serviço do anúncio.

Bem observadas, não se trata de duas concepções contrapostas, e a tensão que contudo existe entre elas deve-se resolver a partir de dentro. Assim, o decreto Presbyterorum ordinis do Concílio Vaticano II afirma: “Com efeito, o Povo de Deus é convocado e reunido pela virtude da mensagem apostólica, de tal modo que todos quantos pertencem a este Povo, uma vez santificados no Espírito Santo, se ofereçam como «hóstia viva, santa e agradável a Deus» (Rom. 12, l). Mas é pelo ministério dos presbíteros que o sacrifício espiritual dos fiéis se consuma em união com o sacrifício de Cristo, mediador único, que é oferecido na Eucaristia de modo incruento e sacramental pelas mãos deles, em nome de toda a Igreja, até quando mesmo Senhor vier” (n. 2). Perguntamo-nos então: que significa propriamente, para os sacerdotes, evangelizar? Em que consiste o chamado primado do anúncio? Jesus fala do anúncio do Reino de Deus como do verdadeiro objetivo de sua vinda ao mundo e seu anúncio não é apenas um “discurso”. Inclui, ao mesmo tempo, seu próprio atuar: os sinais e os milagres que Ele realiza indicam que o Reino vem ao mundo como realidade presente, que coincide em último termo com sua própria pessoa. Neste sentido, é obrigatório recordar que, também no primado do anúncio, palavra e sinal são inseparáveis. A pregação cristã não proclama “palavras”, mas a Palavra, e o anúncio coincide com a própria pessoa de Cristo, ontologicamente aberta à relação com o Pai e obediente a sua vontade. Portanto, um autêntico serviço à Palavra requer por parte do sacerdote que tenda a uma abnegação profunda de si mesmo, até dizer com o apóstolo: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim”. O presbítero não pode considerar-se “amo” da palavra, mas servo. Ele não é a palavra, mas, como proclamava João Batista, de quem celebramos precisamente hoje o nascimento, é “voz” da Palavra: “Uma voz clama no deserto: Traçai o caminho do Senhor, aplanai as suas veredas” (Marcos 1, 3). Agora, ser “voz” da Palavra não constitui para o sacerdote um mero aspecto funcional. Ao contrário, pressupõe um substancial “perder-se” em Cristo, participando em seu ministério de morte e de ressurreição com todo o próprio eu: inteligência, liberdade, vontade e oferecimento dos próprios corpos, como sacrifício vivo (Cf. Romanos 12,1-2). Apenas a participação no sacrifício de Cristo, em seu kenosis, faz autêntico o anúncio! E este é o caminho que deve percorrer com Cristo para chegar a dizer ao Pai junto com Ele: “não se faça o que eu quero, senão o que tu queres” (Marcos 14,36). O anúncio, portanto, comporta sempre também o sacrifício de si, condição para que o anúncio seja autêntico e eficaz.

Alter Christus, o sacerdote está profundamente unido ao Verbo do Padre, que encarnando-se tomou a forma de servo, fez-se servo (Cf. Filipenses 2,5-11). O sacerdote é servo de Cristo, no sentido de que sua existência, configurada ontologicamente com Cristo, assume um caráter essencialmente relacional: ele está em Cristo, para Cristo e com Cristo ao serviço dos homens. Precisamente porque pertence a Cristo, o sacerdote está radicalmente ao serviço dos homens: é ministro de sua salvação, de sua felicidade, de sua autêntica libertação, amadurecendo, neste assunção progressiva da vontade de Cristo, na oração, nele está “unido de coração” com Ele. Esta é portanto a condição imprescindível de todo anúncio, que leva à participação no oferecimento sacramental da Eucaristia e a obediência dócil à Igreja.

O santo cura d’Ars repetia frequentemente com lágrimas nos olhos: “Que medo de ser sacerdote!”. E acrescentava: “Que infeliz é um sacerdote sem vida interior!” Que o Ano Sacerdotal conduza todos os sacerdotes a identificar-se totalmente com Jesus crucificado e ressuscitado, para que, à imitação de São João Batista, estejamos dispostos a “diminuir” para que Ele cresça; para que, seguindo o exemplo do cura d’Ars, advirtam de forma constante e profunda a responsabilidade de sua missão, que é sinal e presença da infinita misericórdia de Deus. Confiemos à Virgem, Mãe da Igreja, o Ano Sacerdotal recém-começado e todos os sacerdotes do mundo.


Papa Bento XVI
Audiência Geral, 24 de junho de 2009
Zenit

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