sábado, 8 de agosto de 2009

Homilia de Bento XVI na Solenidade de Pedro e Paulo





Missa e imposição do Pálio no dia 29 de junho


CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 5 de agosto de 2009 (ZENIT.org).- Publicamos a homilia de Bento XVI na solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, na Santa Missa e imposição do Pálio aos novos Arcebispos, na Basílica de São Pedro, a 29 de junho.

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Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio

Queridos irmãos e irmãs!
Dirijo a todos a minha saudação cordial com as palavras do Apóstolo junto de cujo túmulo nos encontramos: "Graça e paz vos sejam dadas em abundância" (1 Pd 1, 2). Saúdo, em particular, os Membros da Delegação do Patriarcado ecumênico de Constantinopla e os numerosos Metropolitas que hoje recebem o Pálio. Na coleta deste dia solene pedimos ao Senhor "que a Igreja siga sempre o ensinamento dos Apóstolos dos quais recebeu o primeiro anúncio da fé". O pedido que fazemos a Deus interpela ao mesmo tempo a nós mesmos: seguimos nós os ensinamentos dos grandes Apóstolos fundadores? Conhecemo-los verdadeiramente? No Ano paulino que se concluiu ontem procuramos ouvi-lo de maneira nova, a ele que é "mestre das nações", e assim aprender de novo o alfabeto da fé. Procuramos reconhecer com Paulo e mediante Paulo o Cristo e desta forma encontrar o caminho para a reta via cristã. No cânone do Novo Testamento, além das Cartas de São Paulo, há também duas Cartas sob o nome de São Pedro. A primeira delas conclui-se explicitamente com uma saudação de Roma, mas que está sob o nome apocalíptico de cobertura de Babilônia: "Saúda-vos a co-eleita que vive na Babilônia..." (5, 13). Ao chamar a Igreja de Roma a "co-eleita", insere-a na grande comunidade de todas as Igrejas locais — na comunidade de todos os que Deus reuniu, para que na " Babilônia" do tempo deste mundo construam o seu Povo e façam entrar Deus na história. A primeira Carta de São Pedro é uma saudação dirigida de Roma a toda a cristandade de todos os tempos. Ela convida-nos a escutar "o ensinamento dos Apóstolos", que nos indica o caminho para a vida.

Esta Carta é um texto muito rico, que provém do coração e toca o coração. O seu centro é —como poderia ser diversamente? — a figura de Cristo, que é ilustrado como Aquele que sofre e que ama, como Crucificado e Ressuscitado: "quando o insultavam, não insultava, e, sofrendo, não ameaçava... Pelas suas chagas fostes curados" (1 Pd 2, 23s). Partindo do centro que é Cristo, a Carta constitui depois também uma introdução aos Sacramentos cristãos fundamentais do Batismo e da Eucaristia e um discurso dirigido aos sacerdotes, no qual Pedro se qualifica como co-presbítero com eles. Ele fala aos Pastores de todas as gerações como aquele que foi pessoalmente encarregado pelo Senhor de apascentar as suas ovelhas e assim recebeu de modo particular um mandato sacerdotal. Que nos diz portanto São Pedro — precisamente no Ano sacerdotal — sobre a tarefa do sacerdote? Antes de tudo, ele compreende o ministério sacerdotal totalmente a partir de Cristo. Chama Cristo o "pastor e guarda das... almas" (2, 25). Onde a tradução italiana fala de "guarda", o texto grego usa a palavra episcopos (bispo). Mais à frente, Cristo é qualificado como o Pastor supremo: archipoimen (5, 4). Surpreende que Pedro chame o próprio Cristo Bispo — Bispo das almas. O que pretende dizer com isto? Na palavra grega "episcopos" está contido o verbo "ver"; por isso foi traduzida com "guarda" ou seja, "vigilante". Mas certamente não se quer indicar uma vigilância externa, como convém talvez a um guarda da prisão. Ao contrário, indica-se um ver do alto — um ver a partir da altura de Deus. Um ver na perspectiva de Deus é um ver do amor que deseja servir o outro, deseja ajudá-lo a tornar-se deveras ele mesmo. Cristo é o "Bispo das almas", diz-nos Pedro. Isto significa: Ele vê-nos na perspectiva de Deus. Olhando a partir de Deus, tem-se uma visão de conjunto, vêem-se tanto os perigos como as esperanças e as possibilidades. Na perspectiva de Deus vê-se a essência, vê-se o homem interior. Se Cristo é o Bispo das almas, o objetivo é evitar que a alma no homem se empobreça, é fazer com que o homem não perca a sua essência, a capacidade para a verdade e para o amor. Fazer com que ele conheça Deus; que não se perca em becos sem saída; que não se perca no isolamento, mas permaneça aberto a todos. Jesus, o "bispo das almas", é o protótipo de todos os ministérios episcopais e sacerdotais. Ser bispo, ser sacerdote significa nesta perspectiva: assumir a posição de Cristo. pensar, ver e agir a partir da sua posição elevada. A partir d'Ele estar à disposição dos homens, para que encontrem a vida.

Assim a palavra "bispo" aproxima-se muito da palavra "pastor", aliás, os dois conceitos tornam-se intercambiáveis. É tarefa do pastor apascentar e guardar o rebanho e conduzi-lo às pastagens justas. Apascentar o rebanho significa preocupar-se por que as ovelhas encontrem o alimento justo, que seja saciada a sua fome e satisfeita a sua sede. Fora da metáfora, isto significa: a palavra de Deus é o alimento do qual o homem precisa. Tornar sempre de novo presente a palavra de Deus e assim alimentar os homens é a tarefa do Pastor reto. E ele deve saber também resistir aos inimigos, aos lobos. Deve preceder, indicar o caminho, conservar a unidade do rebanho. Pedro, no seu discurso aos presbíteros, evidencia ainda um aspecto muito importante. Não é suficiente falar. Os Pastores devem tornar-se "modelos do rebanho" (5, 3). A palavra de Deus é transposta do passado para o presente, quando é vivida. É maravilhoso ver como nos santos a palavra de Deus se torna uma palavra dirigida ao nosso tempo. Em figuras como Francisco e depois de novo como Padre Pio e muitos outros, Cristo tornou-se deveras contemporâneo da sua geração, saiu do passado e entrou no presente. Isto significa ser Pastor — modelo do rebanho: viver a Palavra agora, na grande comunidade da santa Igreja.

Gostaria de chamar de novo a atenção muito brevemente sobre outras duas afirmações da primeira Carta de São Pedro, que se referem a nós de modo especial, neste nosso tempo. Antes de tudo, a frase hoje novamente descoberta, com base na qual os teólogos medievais compreenderam a sua tarefa, a tarefa do teólogo: "venerai sempre Cristo Senhor nos vossos corações e estai sempre prontos a responder... a todo aquele que vos perguntar a razão da vossa esperança" (3, 15). A fé cristã é esperança. Abre o caminho rumo ao futuro. E é uma esperança que possui racionalidade; uma esperança cuja razão podemos e devemos expor. A fé provém da Razão eterna que entrou no nosso mundo e nos mostrou o verdadeiro Deus. Vai além da capacidade própria da nossa razão, assim como o amor vê mais do que a simples inteligência. Mas a fé fala à razão e no confronto dialético pode prevalecer sobre a razão. Não a contradiz, mas caminha a par com ela e, ao mesmo tempo, conduz além dela introduz na Razão — maior de Deus. Como Pastores do nosso tempo, nós temos a tarefa de ser os primeiros a compreender a razão da fé. A tarefa de não deixar que ela seja simplesmente uma tradição, mas de a reconhecer como resposta às nossas perguntas. A fé exige a nossa participação racional, que se aprofunda e se purifica numa partilha de amor. Faz parte dos nossos deveres como Pastores penetrar a fé com o pensamento para sermos capazes de demonstrar a razão da nossa esperança no debate do nosso tempo. Contudo, o pensar — mesmo se tão necessário — sozinho não é suficiente. Assim como falar, sozinho, não é suficiente. Na sua catequese batismal e eucarística no segundo capítulo da sua Carta, Pedro faz alusão ao Salmo usado na Igreja antiga no contexto da comunhão, isto é, ao versículo que diz: "Saboreai e vede como é bom o Senhor" (Sl 34[33], 9; 1 Pd 2, 3). Só o saborear conduz ao ver. Pensamos nos discípulos de Emaús: só na comunhão convival com Jesus, só na fração do pão se abrem os seus olhos. Só na comunhão com o Senhor deveras experimentada eles se tornam videntes. Isto é válido para todos nós: além do pensar e do falar, precisamos da experiência da fé; da relação vital com Jesus Cristo. A fé não deve permanecer teoria: deve ser vida. Se no Sacramento encontramos o Senhor; se na oração falamos com Ele; se nas decisões quotidianas aderimos a Cristo — então "vemos" cada vez mais como Ele é bom. Então experimentamos que é muito bom estar com Ele. Desta certeza vivida deriva depois a capacidade de comunicar a fé aos outros de modo credível. O Cura d'Ars não era um grande pensador. Mas ele "saboreava" o Senhor. Vivia com Ele até nas pequenezas da vida quotidiana e nas grandes exigências do ministério pastoral. Deste modo tornou-se "um que vê". Tinha saboreado, e por isso sabia que o Senhor é bom. Rezemos ao Senhor a fim de que nos conceda este saborear e assim possamos tornar-nos testemunhas credíveis da esperança que está em nós.

Por fim gostaria de fazer notar ainda uma pequena, mas importante palavra de São Pedro. Logo no começo da Carta ele diz que a meta da nossa fé é a salvação das almas (cf. 1, 9). No mundo da linguagem e do pensamento da atual cristandade esta é uma afirmação estranha, para alguns talvez seja até escandalosa. A palavra "alma" caiu em descrédito. Diz-se que isto levaria a uma divisão do homem em espírito e em físico, em alma e corpo, enquanto na realidade ele seria uma unidade indivisível. Além disso, "a salvação das almas" como meta da fé parece indicar um cristianismo individualista, uma perda de responsabilidade pelo mundo no seu conjunto, na sua corporeidade e na sua materialidade. Mas de tudo isto nada se encontra na Carta de São Pedro. O zelo pelo testemunho a favor da esperança, a responsabilidade pelos outros caracterizam todo o texto. Para compreender a palavra sobre a salvação das almas como meta da fé devemos partir de outro lado. É uma realidade que a falta de cuidado das almas, o empobrecer-se do homem interior não destrói apenas o indivíduo, mas ameaça o destino da humanidade no seu conjunto. Sem a cura das almas, sem o restabelecimento do homem a partir de dentro, não pode haver uma salvação para a humanidade. São Pedro qualifica a verdadeira doença das almas, para nossa surpresa, como ignorância ou seja, como não conhecimento de Deus. Quem não conhece Deus, quem pelo menos não procura sinceramente, permanece fora da vida (cf. 1 Pd 1, 14). Mais uma palavra da Carta pode ser-nos útil para compreender melhor a fórmula "salvação das almas": "Purificai as vossas almas com a obediência à verdade" (cf. 1, 22). É a obediência à verdade que purifica a alma. E conviver com a mentira polui-a. A obediência à verdade começa com as pequenas verdades da vida quotidiana, que com frequência podem ser cansativas e dolorosas. Esta obediência alarga-se depois até à obediência incondicionada face à própria Verdade que é Cristo. Esta obediência torna-nos não só puros, mas sobretudo também livres para o serviço a Cristo e assim à salvação do mundo, que tem sempre o seu início na purificação obediente da própria alma mediante a verdade. Só podemos indicar o caminho para a verdade se nós próprios — em obediência e paciência — nos deixarmos purificar pela verdade.

Dirijo-me agora a vós, queridos Irmãos no episcopado, que neste momento recebereis da minha mão o Pálio. Foi tecido com a lã dos cordeiros que o Papa abençoa na festa de Santa Inês. Deste modo ele recorda os cordeiros e as ovelhas de Cristo, que o Senhor ressuscitado confiou a Pedro com a tarefa de os apascentar (cf. Jo 21, 15-18). Recorda o rebanho de Jesus Cristo, que vós, queridos Irmãos, deveis apascentar em comunhão com Pedro. Recorda-nos o próprio Cristo, que como Bom Pastor carregou sobre os seus ombros a ovelha tresmalhada, a humanidade, para a reconduzir a casa. Recorda-nos o fato de que Ele, o Pastor supremo, quis fazer-se Ele mesmo Cordeiro, para assumir a partir de dentro o destino de todos nós; para nos reconduzir e curar a partir de dentro. Rezemos ao Senhor a fim de que nos conceda ser a seu exemplo Pastores justos, "não constrangidos, mas de boa vontade... como apraz a Deus... com ânimo generoso... modelos do rebanho" (cf. 1 Pd 5, 2s). Amém.


Papa Bento XVI
29 de junho de 2009
Homilia da Solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo


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