sábado, 22 de agosto de 2009

As “confissões” do Cardeal Bertone





As “confissões” do Cardeal Bertone

No início do sacerdotal, Secretário de Estado fala sobre sua vocação

CIDADE DO VATICANO, sexta-feira, 17 de julho de 2009 (ZENIT.org) - Como decidiu se tornar sacerdote? Quais foram as maiores dificuldades e satisfações? O Cardeal Tarcisio Bertone, Secretário de Estado vaticano, responde a essas perguntas, nesta entrevista com motivo do início do Ano Sacerdotal.

Como Santo Agostinho em suas "Confissões", durante esta conversa, que aconteceu no Palácio Apostólico, o principal colaborador do Papa abriu seu coração para revelar momentos e experiências nunca antes contadas.

Seu testemunho é o primeiro de uma série que irá abranger outros Cardeais, Bispos e padres, que irão partilhar neste ano suas "confissões" sacerdotais.

–Quando descobriu sua vocação?

Cardeal Bertone: Descobri exatamente no ensino médio, no Instituto Salesiano de Turim, o primeiro instituto fundado por Dom Bosco. Eu frequentei o ensino fundamental e, para dizer a verdade, não tinha sentido até aquele momento o desejo de me tornar sacerdote, mas vivia entre sacerdotes exemplares, que foram meus professores e educadores. O que eu desejava era estudar idiomas e me dedicar ao conhecimento do mundo e, portanto, a um ofício muito diverso, uma atividade de relações internacionais, de qualquer modo.

Um dia um padre salesiano, meu professor de grego, fez-me uma proposta: "Façamos três dias de discernimento vocacional – como se diz hoje –; se quiser vir conosco, pensar o seu futuro...". Aceitei e após esses três dias vocacionais eu decidi, uma vez que dependia de mim, tornar-me sacerdote, ingressar na congregação salesiana. Comuniquei no dia 24 de maio de 1949 aos meus pais, que viviam tradicionalmente a peregrinação à Basílica de Maria Auxiliadora em Turim. Eles ficaram um pouco atordoados, porque nunca tinham me ouvido falar deste projeto de tornar-me sacerdote, e me disseram: “Se o Senhor quer, não fazemos qualquer objeção, estamos felizes, mas se lembre de que dependerá de você ser fiel e, portanto, que você decidiu”. E assim começou o caminho da vocação, com o noviciado e, em seguida, com os ciclos de estudos, e assim por diante.

–Quem o ajudou a seguir este caminho?

–Cardeal Bertone: De uma maneira especial os salesianos e, ao início, o mestre de noviços. Eu prolonguei o noviciado por quatro meses, porque era muito jovem. O noviciado deveria iniciar com a idade de 15 anos e encerrar com a idade de 16 anos, com a primeira profissão religiosa. Eu ainda não tinha 15 anos quando entrei no noviciado em 16 de agosto de 1949, então tive de prorrogar até a conclusão dos 16 anos, em dezembro de 1950. Aí eu fiz a profissão religiosa. Estava acompanhado pelos salesianos e por ótimos confessores.

Logo no início, fui expressar minha decisão e me aconselhar com um confessor, um padre octogenário, que confessava no altar da Basílica de Maria Auxiliadora, com quem eu regularmente me confessava. Ele me deu seu conselho. Disse-me: "Olha, isso é algo muito sério, você terá de se preparar bem. Mas se recorde que eu sou sacerdote há 60 anos e nunca me arrependi de ser padre”. Então, diante da força desse testemunho, eu segui o caminho, com uma certa saudade e alguma dificuldade de retorno a casa. Mas os meus pais disseram-me: "Agora você faz o ciclo de prova e estudos, porque será você a decidir. No final, tomará uma decisão mais madura". E ao final, mantive a decisão de prosseguir até a ordenação sacerdotal, que teve lugar no dia 1º de julho de 1960.

–Nessa caminhada, qual foi o papel de Dom Bosco?

–Cardeal Bertone: Certamente Dom Bosco foi um modelo extraordinário de sacerdócio, e seus seguidores, seus filhos, que foram meus professores, eu diria que o representavam bem. Deram-me belos testemunhos que acenderam em mim a vontade de seguir aquele caminho. E depois, em minha vida, Dom Bosco sempre esteve presente. Guiou meu crescimento rumo ao sacerdócio e ao longo do sacerdócio, no carisma salesiano, até ser reitor da Pontifícia Universidade Salesiana, aqui em Roma, formador, no meu tempo, de tantos candidatos ao sacerdócio, de muitíssimos, eu diria. E depois guiou-me na vida de Bispo: primeiro como Arcebispo de Vercelli, depois de Gênova e agora hoje como Secretário de Estado, primeiro colaborador do Papa. Dom Bosco ensinou-me a ser fiel ao Papa e dar minha vida pelo Papa e pela Igreja, coisas que procuro fazer apesar das minhas limitações, mas com todas as forças.

–Quais foram as dificuldades e, por outro lado, as mais belas satisfações?

–Cardeal Bertone: Como disse anteriormente, eu tive algumas dificuldades no caminho da formação, por causa de alguma nostalgia do passado, da vida com meus amigos, porém me mantive firme no seguimento da vocação. Mas os meus amigos, que não pensavam que eu seguiria aquele caminho, sobretudo os meus amigos de liceu, porque frequentei o liceu já como salesiano, mas com cerca de trinta companheiros, que agora são profissionais na vida e desempenham um belo papel na sociedade italiana, eles me ajudaram. Diziam-me: "Se você se tornar um padre, torne-se um sacerdote como Francesco Amerio”. Era o nosso grande professor do liceu, de História e Filosofia, e também de Religião. Foi um modelo para mim que me sustentou e de quem guardei as anotações das aulas de Religião. Até hoje. Para se ter idéia da influência e do impacto deste sacerdote, deste professor, que os meus companheiros me indicavam como modelo.

Depois eu enfrentei algumas dificuldades, especialmente durante o período de 1968 a 1972, porque eu estava aqui em Roma, era professor na Universidade Salesiana, formador dos candidatos ao sacerdócio, quando tivemos, no então Pontifício Ateneu Salesiano, 140 estudantes de Teologia, que enfrentaram as pressões e sentiram a influência do movimento de 1968, dos debates, da agitação pública. Estávamos depois do Concílio. Eu vivi como estudante, como jovem sacerdote, este belo tempo do Concílio. Mas houve momentos de grande atrito e conflitos de opinião e de pessoas; como superior, eu tinha de dar o parecer para a ordenação desses estudantes. Tivemos um diálogo próximo com os alunos. Aquele era o tempo das grandes assembléias de estudantes, com discussões que duravam horas, até mesmo o fim da tarde ou pela noite... Então eram momentos de tensão, mas também de superar as tensões.

Depois, como Bispo, e como Arcebispo das duas Arquidioceses que guiei, as duas por encargo do Papa João Paulo II, houve algum momento de confronto, por vezes difícil, às vezes com problemas que surgiram no âmbito da Igreja local. Já quando eu era Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, havia questões doutrinárias para nossa análise, o nosso juízo, e eram problemas muito graves, doutrinais, morais, disciplinares. Mas tinha no desempenho desse papel uma grande satisfação. Há o fato de ter guiado e de integrar uma comunidade fraterna, viver em comunhão fraterna, de forte amizade, que continua até agora, quando me encontro com ex-alunos ou Bispos do mundo. Vivi momentos de verdadeira comunhão, de amizade fraterna na alegria e na fidelidade ao Papa, na alegria do cumprimento do nosso ministério sacerdotal e episcopal, e pelo fato de ter conduzido muitos jovens para o sacerdócio. E depois há a paternidade episcopal nas ordenações sacerdotais e nas ordenações episcopais, que agora naturalmente multiplicam-se ainda mais, no meu cargo de secretário de Estado, com a ordenação de muitos colaboradores do Papa e de muitos Bispos locais. É uma grande satisfação: este grande povo de Deus formado organicamente pelos pastores da Igreja, com suas diversas responsabilidades, diferentes papéis, de acordo com sua vocação e de acordo com os carismas que o Espírito Santo distribui. Este povo que caminha junto em profunda unidade é realmente um belo sinal da bondade de Deus para a Igreja e para toda humanidade, que eu vivo nos encontros que tenho agora com as Igrejas locais, seja como representante pontifício ao redor do mundo, e também com os chefes de Estado que vêm visitar o Vaticano e demonstrar seu apreço, sua gratidão pelo trabalho da Igreja, pelo testemunho da Igreja, tanto no campo formativo, especialmente na educação, seja no âmbito da promoção humana, da promoção social, da assistência particular para com os mais fracos da sociedade.

Tenho de agradecer ao Senhor pelo dom do sacerdócio e pelo dom do episcopado. Desejo a todos um bom Ano Sacerdotal!

Pode-se assistir à entrevista em www.h2onews.org


Cardeal Tarcisio Bertone
Secretário de Estado do Vaticano

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