sábado, 20 de março de 2010

Comentário sobre a Liturgia da Palavra, Jo 8,1-11: Admirai os divinos mistérios e a clemência de Cristo



V Domingo da Quaresma
Ano C
Is 43,16-21
Sl 125
Fl 3,8-14
Jo 8,1-11


Admirai os divinos mistérios e a clemência de Cristo

Os escribas e os fariseus apresentaram ao Senhor uma mulher acusada de adultério. E apresentaram-na maliciosamente: absolvendo-a, ele daria a impressão de violar a Lei; condenando-a, trairia a sua missão, já que viera ao mundo para perdoar os pecados de todos.

Mostrando-a, disseram: Mestre, esta mulher foi flagrada cometendo adultério. Moisés, na Lei, nos mandou apedrejar tais mulheres. E tu, que dizes? (Jo 8, 4-5). Enquanto assim falavam, Jesus, inclinando a cabeça, escrevia no chão com o dedo. Mas, como aguardavam sua resposta, levantou a cabeça e disse: Quem dentre vós não tiver pecado, atire a primeira pedra (Jo 8, 7). Nada pode haver de tão divino quanto esta sentença: só pode acusar de pecado, quem dele estiver isento. Poderias tolerar quem condena os crimes alheios, mas defende os seus? Não condena a si mesmo quem condena nos outros os mesmos erros que comete?

Jesus disse isto e escrevia no chão. O que? Talvez o seguinte: Por que observas o cisco no olho do teu irmão e não reparas na trave que está no teu próprio olho? (Mt 7, 3). Escrevia no chão com o mesmo dedo com que escrevera a Lei. Os pecadores serão escritos no chão e os justos no céu (cf. Jr 17, 13), assim como dissera aos discípulos: Ficai alegres porque vossos nomes estão escritos nos céus (Lc 10, 20).

Ouvindo, pois, essa palavra, puseram a retirar-se, um depois do outro, a começar pelos mais velhos, e refletiam sobre si mesmos. Jesus ficou só e a mulher permanecia de pé, no meio do lugar. E com razão é dito que se retiraram os que não quiseram ficar com Jesus, pois a letra está fora e os mistérios dentro. Eles, que viviam à sombra da Lei e não podiam ver o sol da justiça, procuravam na leitura sagrada mais as folhas que os frutos.

Finalmente, após se terem afastado, Jesus ficou sozinho, permanecendo a mulher de pé, no meio do lugar. Para perdoar o pecado, Jesus permanece só, conforme ele mesmo diz: Eis que vem a hora, e já chegou, em que vos dispersareis, cada um para seu lado, e me deixareis sozinho (Jo 16, 32); nenhum intermediário, nenhum anjo, mas só o próprio Senhor salva o seu povo. Fica só, porque nenhum homem pode ter em comum com Cristo o poder de perdoar os pecados. Esse poder é somente dele, que tirou o pecado do mundo. E a mulher que, afastados os judeus, permaneceu só com Jesus, mereceu o perdão.

Levantando a cabeça, disse Jesus à mulher: Onde estão os que te acusavam? Ninguém te apedrejou? (cf. Jo 8, 10). E ela respondeu: Ninguém, Senhor! Jesus, então, lhe disse: Eu também não te condeno. Vai, e de agora em diante não peques mais (Jo 8, 11).

Admirai os divinos mistérios e a clemência de Cristo. Quando a mulher foi acusada, Cristo inclina a cabeça, mas levanta-a, quando foge o acusador. Na verdade, não deseja condenar ninguém, mas absolver a todos. Que significa, pois: Vai, e de agora em diante não peques mais? Quer dizer: uma vez que Cristo te redimiu, corrija a graça o que a pena não podia emendar, mas somente punir.


Santo Ambrósio, Bispo
Das Cartas, Epistula 26, 11-20

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