terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A alegria de ser padre - na festa sacerdotal, na festa do presbitério e de cada sacerdote, por D. António Marto



A alegria de ser padre

Homilia do Bispo de Viseu na Missa Crismal

Quinta-Feira Santa, 13 de Abril de 2006

“Oh, como é bom e agradável encontrar-se entre irmãos... É bênção de Deus e vida para sempre” (Sl 139, 1.3), canta o salmista. A sua alegria – eco do júbilo de um povo unido em oração – é, hoje, a nossa alegria.

É bom e belo reencontrarmo-nos aqui como irmãos, nesta Quinta Feira Santa, em clima de cenáculo, para voltar sempre de novo às origens do nosso sacerdócio. Com esta alegria saúdo-vos a todos e cada um do íntimo do coração, agradecendo a vossa presença que muito me alegra e conforta. Em nome pessoal e de toda a Diocese dirijo uma saudação de particular congratulação aos presbíteros que celebram o 50º aniversário da sua ordenação sacerdotal. E na comunhão dos santos queremos também fazer memória viva e grata, nesta eucaristia, dos irmãos do nosso presbitério que, ao longo do ano, partiram para a casa do Pai.

Com todos vós desejo dar graças ao Pai celeste pelo caminho feito convosco nestes dois anos de serviço episcopal e pelas maravilhas da graça que Ele realizou na nossa Igreja através do vosso ministério.

Hoje é o dia, por excelência, da festa sacerdotal, da festa do presbitério e de cada sacerdote. É pois um convite a uma peregrinação espiritual às fontes da nossa alegria. A memória da unção da nossa consagração evocada pelas leituras (Is e Lc) e pela oração de consagração do óleo do Crisma, ajuda-nos a sentir dentro de nós o dom e a missão da alegria: “O Espírito do Senhor está sobre mim e o Senhor ungiu-me... e enviou-me a levar o óleo da alegria em vez do luto” (Is). “Já David cantou este óleo que faz brilhar de alegria o nosso rosto” “o óleo santo que dá beleza, alegria e paz aos nossos rostos” e, finalmente, referido a Cristo “ungido como ninguém com o óleo da alegria” (Oração de consagração). Eis a razão porque, este ano, vos ofereço uma meditação sobre “a alegria de ser padre” dentro da perspectiva do lema do ano pastoral “servidores da alegria do Evangelho”.

A relação íntima entre o ministério e a alegria é um desafio espiritual, pastoral e cultural que somos chamados a enfrentar. Diz respeito ao nosso ser profundo, ao nosso “eu”, marcado indelevelmente pelo dom da graça sacramental; e ao nosso mundo exterior, caracterizado pelo viver e agir quotidiano do nosso ministério que nos reserva dificuldades, fadigas, cansaço, provações, crises e sofrimentos de todo o gênero. E diz respeito à evangelização da nossa cultura que, por vezes, acusa o cristianismo de ter envenenado a alegria de viver, como nos recorda o Papa na sua encíclica.

Na vida do padre, a falta de alegria faz-se sentir como falta de impulso, de coragem, de iniciativa, de criatividade, como inclinação ao pessimismo, ao mau humor, como medo de tudo e lamentação de tudo. Então, a condição da nossa existência torna-se penosa e pesada para viver. Por isso, somos convidados a ir às fontes da nossa alegria, da alegria de ser padre, contemplando a alegria do rosto de Cristo.

As fontes da nossa alegria

1. A primeira fonte é a alegria de Jesus, que “exultou de alegria no Espírito Santo e disse: Eu te bendigo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Ninguém conhece o Filho senão o Pai, como ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11, 27). Este canto do “Magnificat” de Jesus mostra-nos que a fonte profunda da nossa alegria é a participação na alegria de Jesus, na sua intimidade de Filho com o Pai, a alegria de quem sabe ser amado por Deus como filho e escolhido como seu servo e ministro mesmo na sua pequenez e pobreza. É o próprio Jesus que nos introduz no segredo da sua alegria. Aos discípulos, a quem acaba de lavar os pés, confia: “Disse-vos isto para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja perfeita” (Jo 15, 1). Esta é a fonte de toda a outra alegria.

2. Nesta sequência, uma segunda fonte de alegria é a revelação aos pequeninos, como acabamos de citar. É a alegria de abrir o sentido da vida às almas simples. Para o padre é a alegria da catequese, do anúncio, do conselho espiritual, de uma relação significativa que ajuda as pessoas a descobrir desígnio de Deus, a alegria de uma relação que consola no meio do desânimo ou do desespero.

Nesta linha, fonte de alegria é uma comunidade que caminha bem, como diz S. João na sua 3ª carta “Não tenho maior alegria do que saber que os meus filhos caminham na luz da verdade” (3Jo 4). É a alegria de ver a gente a crescer e progredir nos caminhos do Evangelho.

Também é fonte de alegria uma comunidade que sabe agradecer, que exprime a sua gratidão: “Experimentei grande alegria no Senhor porque, finalmente, fizestes desabrochar o vosso amor por mim” (Fl 4,10). Por vezes, há pastores que se lamentam de não serem estimados pela comunidade. Todavia, em determinadas ocasiões (v.g. numa doença...) manifesta-se que a comunidade amava, estava afeiçoada ao seu padre.

3. Uma terceira fonte de alegria é o regresso de quem andava perdido. Como diz Jesus em S. Lucas: “Há mais alegria no céu por um só pecador que se converta...” (Lc 15, 7). É a alegria tipicamente apostólica. “Um só” é suficiente para dar grande alegria. Não são as estatísticas a dar-nos alegria, mas o encontro com uma pessoa que quer percorrer um caminho sério de conversão a Jesus. Um só caso é uma manifestação da graça vitoriosa de Cristo.

4. Uma quarta fonte de alegria é paradoxal: a perseverança nas provações e nas perseguições: “Os apóstolos saíram do sinédrio, cheios de alegria, por terem sido considerados dignos de sofrer ultrajes por amor do nome de Jesus” (At 5, 41). É a alegria na sua expressão limite. As grandes provações e as grandes alegrias andam entrosadas (misturadas) no ministério. É precisamente nas provações que se manifesta em nós a força de Cristo e a alegria como dom do Espírito Santo.

5. Finalmente, uma quinta fonte de alegria é a fraternidade e a comunhão presbiteral, tecida cada dia, por relações boas e de amizade, de mútua compreensão, estima e afeto, de apoio mútuo espiritual e material, de colaboração sincera e generosa no trabalho pastoral: “Oh, como é bom e agradável viver unidos como irmãos. É bênção de Deus e vida para sempre” (Sl 139,1).

A alegria é um dom, acontece, não se pode produzir, não se impõe nem encomenda. Desce do alto. É como a paz que brota do coração de Deus. Por isso não há uma receita para ela. É fruto do Espírito Santo.

Servidores da alegria do Evangelho

Por sua vez, o ministro do Evangelho é chamado a ser servidor da alegria do Evangelho à comunidade cristã e à sociedade. Esta alegria é uma das necessidades mais profundas do momento histórico-cultural que estamos a viver não só na Igreja (que revela sintomas de cansaço) mas em todo o continente europeu onde se difunde a cultura pós – moderna dominada pelo vazio do sem sentido, pelo stress, pela ansiedade, pelo medo de viver e dar a vida, pelo medo de arriscar e do futuro. “A sociedade tecnológica pôde multiplicar as ocasiões de divertimento e de prazer, mas dificilmente consegue dar a alegria. Porque a alegria vem de outro lado. É espiritual” (Paulo VI). Como podemos ser servidores desta alegria aos outros?

- Em primeiro lugar, através do anúncio. Isto significa, essencialmente, anunciar com entusiasmo a pessoa de Jesus como a fonte, o conteúdo e o sentido da alegria, “O cristianismo é alegria. A fé é alegria. A graça é alegria. Cristo é a alegria, a verdadeira alegria do mundo” (PauloVI, 29/03/64). Esta é a alegria que devemos anunciar na nova evangelização. Ela não destrói nem enfraquece as alegrias humanas, mas antes é a sua garantia mais sólida e o seu incentivo mais forte.

Ao anúncio junta-se a celebração da alegria nos sacramentos, particularmente, na eucaristia do dia do Senhor; “O olhar positivo sobre as pessoas e as coisas, fruto dum espírito humano iluminado e do E. Santo, encontra entre os cristãos um lugar privilegiado de fortalecimento: a celebração do mistério pascal de Jesus... Por isso, a nossa última palavra nesta Exortação é um apelo premente a todos os responsáveis e animadores das comunidades cristãs: não temais insistir, oportuna e inoportunamente, na fidelidade dos batizados a celebrar na alegria, a eucaristia dominical... sinal e fonte de alegria cristã e preparação para a festa eterna” (Paulo VI, Gaudete in Domino).

- Por fim, como sacerdotes, somos chamados a ser testemunhas corajosas da alegria cristã, na medida em que a possuímos e vivemos antes de mais. Testemunhas, porque a anunciam com a vida e porque educam os outros e os servem para uma vida cristãmente alegre. “Possa o mundo do nosso tempo receber a Boa Nova não de evangelizadores tristes e desencorajados, impacientes e ansiosos, mas de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor, que tenham recebido em primeiro lugar a alegria de Cristo e aceitem arriscar a própria vida a fim de que o Reino seja anunciado e a Igreja implantada no coração do mundo” (EN 80).

Quero dizer-vos com certa paixão: vale a pena despertar e comunicar a alegria do Evangelho: é contagiante e construtiva, fonte de criatividade e de comunidade, dá sabor e bom humor à vida, desperta a inteligência científica, espiritual e política, dá força e ânimo para trabalhar juntos em ordem a construir “uma cidade sólida e unida, em que reine a fraternidade, a justiça e a paz” (Sl 121, 34). Por isso, o nosso ministério deve ser apreciado também pela sua capacidade de fazer crescer a alegria do Evangelho, de irradiar a serenidade e a paz que vêm do amor misericordioso de Deus. Devemos perguntar-nos: exerço o meu ministério com alegria? Qual é o conteúdo de Boa Nova, de amor, de alegria e de paz desta palavra ou desta atividade? Que conversão me pede o Senhor para irradiar esta alegria?

Tende confiança na “graça de estado”!

Se o Senhor nos chama a viver neste tempo de incertezas e de déficit de esperança e de alegria e a servi-lo aqui e agora como presbíteros e bispos, quer dizer que Ele tem em reserva para nós a graça e os recursos mais que suficientes para que nos santifiquemos caminhando na fé, na esperança e na alegria. Não tenhais medo! Tende confiança! Deus tem um futuro para nós!

Renovando hoje as promessas da nossa doação a Cristo e ao seu povo, devemos renovar também a confiança na “graça de estado” com a certeza de que quem nos pôs o arado na mão para trabalhar aqui e agora, também está próximo de nós dia após dia, caminha e trabalha conosco, reserva para nós a porção de alegria e serenidade para cada dia e para cada ocasião: dá-nos, hoje, ó Pai, o pão de cada dia!

E Tu, ó Maria, Mãe cheia da santa alegria, sê para todos nós, com a tua intercessão maternal, “causa da nossa alegria”: leva-nos a compreender, como Tu nas bodas de Cana, que só Jesus Ressuscitado é a alegria perfeita; ajuda-nos a viver profundamente a alegria do nosso ministério e a ser verdadeiros servidores da alegria do Evangelho à Igreja e ao mundo! E que todos nós, em coro, possamos cantar contigo o Magnificat de júbilo de que tu és a solista: “A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito exulta de alegria em Deus meu Salvador”!


Dom António Marto, Bispo de Viseu
Homilia da Santa Missa Crismal
Sé de Viseu, Quinta-Feira Santa, 13 de Abril de 2006

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